Fausto - "O varredor"
Letra
Trabalha noites inteiras
o Almeida Varredor
enxotando a varejeira
pelas ruas ao rigor.
Perguntei-lhe a começar
pela vida e ele disse:
“(…)Eu danço quando ouço cantar
Afina a corda, ó tocador
Que eu vou-me pôr a contar
a vida dum varredor.
Tudo se passa e resume
entre um esgoto que arrota,
o cheirete e o azedume sem sabor
desta vida que se enxota,
e Portugal tem o costume.
E varre, varre senhor varredor,
pois com o teu varrer
assim faz outro mundo
Portugal tem o costume
de viver com dois extremos
os que lucram com o estrume
do lixo em que nós vivemos.
Também nos caixotes de lixo
tem o País seu retrato
ao lixo atira o rico e muito mais
o que lhe ofende o olfacto –
para o pobre é mata-bicho.
Para o pobre é mata-bicho
o que à fome vai sobrando
mas faz das sobras do rico
o bicho que vai matando.
Não tem a cara lavada
quem vive desta sujeira
que é ver gente governada assim,
por outra viver da lixeira,
e ser Almeida sem mais nada.”
E varre, varre senhor varredor,
pois com o teu varrer
assim faz outro mundo
Disse então a despedir-me
“muita coisa há p’ra varrer”
Respondeu-me “uma das coisas é
Quem nos faz apoderecer;
Neste trabalho braçal
de tudo varre o varredor :
gato morto e um aborto semanal
o que nos falta em rigor, sim senhor,
é varrer o capital.”
(Fausto)